A RELAÇÃO ENTRE MESTRE E DISCÍPULO
Poderia evidentemente analisar a pedagogia nas Artes Marciais pela via científica mas não é essa que me interessa hoje. A opção recai pelo lado da tradição, do Budo.
O Mestre
É certo que no ocidente de uma forma generalizada, muitas das pessoas que passaram pelas artes orientais cansaram-se de certos “mestres”, verdadeiros artistas da manipulação de algumas mentes distraídas e, ou, menos informadas. Uns orientais, outros ocidentais, que resolveram assumir-se Mestre, mas de Mestre nada têm. Isso resulta essencialmente do fato de hoje em dia, se querer tudo de um dia para o outro.
O Mestre habitualmente não facilita. Exige provas de lealdade, de honestidade, de carácter e dedicação. E muitos, cansados de obedecer, vão embora. Claro, procuram um caminho rápido, onde lhes seja prometida iluminação instantânea num workshop de fim-de-semana, como é moda hoje em dia. E esperam sair de lá com técnicas “secretas”, com as quais passam a ser “grandes mestres”, mas, sobretudo com uma espécie de titulo, de certificado que obviamente fará com que se torne de um fim de semana para o outro, capaz de poder divulgar, ensinar, transmitir, até bem melhor do que aqueles que durante uma vida dedicada ao estudo da Arte, acreditam que ainda têm muito aprender.
Na Europa, nos anos 1970, com a febre dos filmes de Bruce Lee, toda a gente queria praticar Kung Fu. Então muitos donos de restaurantes chineses abriram ao lado do restaurante uma escola de “kung Fu”. E alguns milhares de europeus pagaram preços elevados por aulas dadas por um cozinheiro.O problema do surgimento de falsos mestres é a existência de mercado para os mesmos: quanto mais místicos, espirituais, compreensivos, com roupas exóticas, estrangeiros de preferência se apresentarem mais sucesso têm. E se a isso tudo juntarem uma voz profunda, tratarem os que os procuram por filho e filha, irmão e irmã, derem ao seu método um nome estranho e prometerem resultados para ontem, é sucesso garantido. Um pouquinho mais de maturidade e de paciência daqueles que procuram e alguns falsos “mestres” não teriam tanto sucesso.
A questão da necessidade, ou não, da pedagogia, afim de se discutir que tipo de pessoas queremos formar, como fazê-lo, como as motivar, como conseguir ensiná-las, não tem sentido numa arte oriental se soubermos distinguir o trigo do joio. Isto é, há que estabelecer distinções claras e não confundir o Mestre com o professor ou com o instrutor.
E nesta confusão também está a origem de muitos erros. Pois a relação com o professor ou com o instrutor não é nem pode ser igual à relação do discípulo com o mestre.
O instrutor é aquele que ministra sessões práticas a adeptos comuns que querem conhecer esta ou aquela arte. Já o professor é o que ensina a prática e a teoria para o domínio da técnica e da sua fundamentação. Pode inclusive ministrar seminários teóricos e pode preparar futuros instrutores. E veja-se o quão longe estamos ainda da relação entre mestre e discípulo. Já o Mestre é aquele que interfere na maneira de ser do discípulo. O praticante participa em sessões práticas da arte que escolheu. O aluno recebe aulas do professor. O discípulo assumiu uma relação de empatia e de lealdade com o Mestre. É aquele que aprende para a vida e não só para a sala de aula e aceita que o Mestre através dos seus ensinamentos interfira em sua vida privada. Pois com aquilo que o Mestre lhe ensina para a vida transforma-o, modificando-se, transmutando-se, polindo-se, revelando-se cada vez mais um diamante.
A relação entre Mestre e discípulo deve ser baseada em reciprocidade e aceitação. O Mestre admoesta o discípulo quando se torna necessário e este aceita com satisfação, pois sabe que do Mestre só pode vir conselhos para o tornar mais forte, mais integre.
Características do Mestre
O Mestre, para o ser já passou, por sua vez, por este percurso, que conhece intensa e profundamente e sabe como transmitir a sua arte e quando deve transmitir os segredos desta. Os métodos de ensinar a sua arte não lhe são estranhos. O tipo de pessoas que se quer formar também ele sabe. Não se vai é esforçar um pouco que seja para interessar o discípulo pela aprendizagem. O discípulo é que escolhe o mestre e não o contrário. O Mestre apenas o aceita ou rejeita. O problema não é o da pedagogia, mas sim como reconhecer um Mestre. Algumas características de um Mestre são:
Tem autoridade para com os seus discípulos mas respeita-os, reverencia o seu próprio mestre, é claro na sua percepção e conhecimento, constante e determinado no seu estudo, livre dos desejos dos frutos das suas acções, não troca de linha ou de mestre.
O Mestre verdadeiro coloca-se depois do seu próprio mestre, em hierarquia e em mérito, nunca considerando que já evoluiu mais que o Mestre e por isso já o pode abandonar. Não contesta o seu próprio Mestre, nem emite juízos críticos ou desfavoráveis a seu respeito. E nunca perde oportunidade de referir o nome e o mérito do seu próprio Mestre.
Cabeça baixa, sinônimo de respeito, olhos levantados, ambição.
Shihan Antonio Pereira 6º Dan